sexta-feira, 28 de maio de 2010

Discurso politico

 Num formato de tiros urbanos, mentes retorcidas em ilusões electrónicas
Sente-se nas balas o stress da rotação descontrolada das carências crónicas
Falta a agua com que lavar os focinhos alheios
Falta honra para encarar os focinhos sujos
Falta cara para assumir a honra no próprio focinho

E são os animais moribundos que rastejam da sarjeta à noitinha que me perguntam se tenho medo, ou se não tenho, se o meu dinheiro está no meu bolso ou na carteira! E pergunto eu com o sorriso de quem está prestes a entregar-se à noite escura sem resistência… “Será que ser merda já é uma carreira…?”

E sei que sou zero, e zero a zero vou saltando de zero em zero até atingir a profundidade plena do zero que é a vida e os seus porquês…

E estou cada vez mais certo, que faz falta perceber:
“É necessário saber que devemos passar mais tempo a foder uns com os outros que a foderem-se uns aos outros!” (será difícil de entender, ou tenho de ser ainda mais claro?)

Num modelo de flores férreas, almas tolas em desilusões metódicas
Ressentem-se de quem afirma que a maior carência, é: “educação controlada”
Falta a mama da mãe na boca dos filhos
Falta um filho com a mão na mão da sua mãe
Falta a mão pesada de um pai e de uma mãe

E são os pais das crianças perdidas, que não sabem o que lhe fazer, que me acusam de passar pela vida sem me aperceber que é difícil, essas gerações de quarentões com filhos paneleiros e mandriões, que me dizem, que na flor da minha juventude, tenho de me levantar e ir à luta, por tudo o que eles deixaram ir pelo cano abaixo…

Mas afinal, a quem cabe limpar a merda, não será a quem a cagou? E se for ainda muito pequeno, não será cargo de quem o pariu? E se for muito velho, não será dever de quem criou?

Então para que me chamam pela idade, com gritos de luta e igualdade, se tudo o que me entregam, são frutos podres e dividas da sociedade…

Deixem-me pelo menos, tentar ser feliz…

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Baixa Matinal

    Passam velhos estudantes pela baixa, caminham nos passos que as pernas aprenderam tantas vezes, a descer o quebra-costas na direcção do rio lento.

    Vendem-se cautelas aos desesperados que chocalham no bolso roto a parca fonte de mais um almoço feito de pão e peguilho, mais caros que a dignidade, pedem-se ajudas às senhoras queimadas de azul e olhos vendados de negro, vestidas também elas todas de negro e que poupam o dinheiro que não comeram em pão para investir em lojas americanas, de cigarro pendente parecem apodrecer enquanto caminham a flutuar em agulhas, também negras.

     Vejo velhos estudantes que carregam olhos queimados do fumo e faces descaídas, com a brida das obrigações vagas, com pastas cheias de nada e muitos papeis cheios de muitos outros nadas… que nada interessam a quem faz musica, por pão e peguilho, demasiado caros para quem quer apenas comer…

     Passam estudantes sem destino e vendem pastas de todos os tons e cores, de todos os símbolos, vendem-se também eles por mais um dia no encanto de não terem de ser gente, mais uns dias sem o peso de serem homens nem mulheres, nem velhos, nem crianças, apenas infantes de capas da cor da noite para que nela se confundam, noites frias, noites molhadas a tinto martelo e cevada fermentada…

     E passam mestres… doutores, nas artes de ter nada e ainda assim viver, nada, nada para comer, nada para vender…

    São apenas vultos tricanos que mandam para a cabra quem fala de menos e mandam para o cabrão quem fala demais… já nem pedem, já nem ligam…

    Vivem apenas Coimbra nos pés cansados, rua acima e rua abaixo, invisíveis, eternamente nus…

    E então alguém, sem um braço, pergunta-me se vou ficar muito tempo com as costas para a parede amarela da capela, pois estou no seu posto e não lhe pareço pedinte…

    Vou-me então…

    Nunca foi do meu feitio tirar da boca de um homem, seu peguilho… e seu pão…