sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Alma ardente

Nascido do fogo, às chamas retornado
Queimo-me, consumo-me e elevo-me
Atinjo temperaturas vulcânicas irreais
No âmago de chamas rubras, vejo-me

Perdido em brasas, em cinzas desfeito
Perfeito final, derradeiro testamento
Subo nos fumos do meu pensamento
Do carvão morto, nasce vivo pensamento

Soberbo espectáculo, crepitar de faíscas
Rebento, estoiro e sou brilho obscuro
Caio na terra do meu pesado lamento
De tanto arder, minhas feridas não curo

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O enterro

O cortejo fúnebre de anjos carpindo
Por seu companheiro alado e caído
Que vivendo se condenou na morte
Que sonhando se afastou da mentira
Que mentindo acabou por dizer verdade

O crucifixo do condenado sem cabeça
Perdida por entre os sonhos de seu anjo
Que amando se condenou na vida
Que querendo se afastou da solidão
Que desejando acabou por sentir a verdade

As asas de uma amante em lágrimas
Voando até seu companheiro da noite
Que chorando se condenou na memoria
Que lamentando se afastou do dia
Que gritando acabou com sua própria vida…

Ouçam

Ouçam, a musica
O canto daquele vento
O cantar naqueles sons
O som do seu silencio
A melodia do seu cantar…

Ouçam, a minha voz
O eco das minhas palavras
O tom dos meus sussurros
O timbre dos meus segredos
A segurança no meu dizer…

Ouçam, o lamento do meu rio
O crepitar da agua lenta
O pesar no rochedo molhado
O sentido de uma corrente
A ponte que há entre nós…

Escutem…

Estas são as minhas palavras…

Dor metálica

A dor de estar preso entre folhas de aço frio
Compara-se ao sentimento de viver em gelo seco
Não se pode comparar a ser completo no seu brilho
Mas ser parte da própria prisão que nos encerra

Sobreviver entre sentimentos calejados e enrijecidos
Por tempos forjados, em brasa batidos e queimados
Mãos que dobram minha alma em elos retorcidos
Por mais cadeias que faça, acabam sempre perdidos

Guardo meus olhos em caixa de ferro negro e fogo
Entre chamas metálicas minhas lágrimas se sublimam
Teu sentir por mim para sempre fica marcado na pele
Mas o meu sentir de metal, é solidão e nada mais…

Olhos perfeitos

Linhas perfeitas as do teu olhar, que me presenteiam com formas vitruvianas de homem geométrico, mas às quais escapam meus sentidos incúriosos, desleixados e desinteressados.
Não mais me ligarei a outro ser com olhos como os que tu tens, não mais encontrarei nuvens e um céu escondidos em íris negra e não mais serei visto num mundo como o que criaste para mim.
Serei sempre fruto do teu olhar de criadora guardado em tela de memória, enquadrado num tempo que não voltará atrás, emoldurado em caixilho que jamais voltará a ser inteiro…
O nosso tempo para viver, esgotou-se por entre nossos dedos unidos… o nosso tempo de olhar os olhos do outro, escorreu por entre nossos lábios secos… o nosso tempo de sentir, evaporou-se com aquele ultimo vislumbre…

Duas raivas, um só grito

Duas raivas num mesmo grito
Uma vermelho, a outra sangue
Arrastadas por chão de vidros
Riscadas, desfiguradas, cortadas…

Duas caras num mesmo olhar
Uma negra, a outra noite
Pintadas por uma sombra de pano
Enegrecidas, assombradas, obscurecidas…

Dois olhos num mesmo rosto
Um aberto, o outro cerrado
Feridos por fumos perfumados
Sangrentos, desumanos, ferozes…

Uma alma em dois lugares
Um dentro, o outro fora
Dividida num corpo uno
Triste, solitária e simplesmente

Desesperada…

domingo, 17 de fevereiro de 2008

O outro lado do rio

Na margem oposta da travessia
Encontrei um dia a pedra basilar
O objecto que sustentará sobre as aguas
Todo o peso que o meu grito carrega
Mortal desejo de não sofrer...

Chorarei lágrimas de chuva
Sobre a ponte de pedra granito
Sei que lavarei a sua cor de cinza
Com o choro dos meus olhos
Que me escoa a magoa enfim...

Pouso as mãos de terra no rochedo
Por medo, por sombra, por caminho
Que só levando tudo isto para o mar
Serei um dia capaz de carregar
A dor de não amar…

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Guarda este silêncio

Não contes a alma alguma o que te ofereci naquela noite
Esconde entre teus lábios o recordar de tal momento
Serei a morte na tumba de palavras que tu nunca dirás
Pois não te ensinei verdade e não aprendeste mais que mentiras…

A fusão da tua mente com a ideia que te ofereci
Em momento algum a fez tua para a poderes dar e vender
Não te permito que sigas pelo caminho que te ensinei
Sem me pagares a travessia do meu rio de sangue e mar…

Sofri para encontrar os meus tesouros em terras desconhecidas
Naveguei por águas negras sem luz de lua ou de estrelas
Encontrei sem fogo o brilho do ouro mais puro e a dor mais fina
E agora desafio-te, tenta roubar-me o que eu tenho de mais duro…

Entra pela porta então, atreve-te em meu saber e enterra teus dedos
Aposta tuas mãos em meu cofre de espadas e saberemos
Se com tanto que sabes do que sou e do que não sou
Poderás salvar a tua alma, do meu cofre cheio de medos!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Evangelho da nova génese

Num início distante, num tempo remoto, num espaço desconhecido, algo nasce e não mais pode ser finado… intemporal como as estações, começa a nossa história numa primavera…
Existe sim tal objecto, tal criação que sem mentor, sem artífice, sem projecto e sem executor, simplesmente, nasceu…
Ao raiar do verão deu-se conta que nasceu com braços de ferro forjado, bordados de platina e ouro como talha barroca que não se encontra.
Nasceu com pernas de vento que sem sopro e sem direcção tudo levam e tudo trazem, sendo como bênção para o seu povo…
Nasceu com um tronco de rocha, âmago de granito esculpido que jamais se abala, jamais se corrompe…
Nasceu como uma face de agua, mais limpa que cristal, mais saciante que vinho, mais pura que o céu e mais honesta que o mar…
Nasceu ainda com um coração de carne… e todo o resto se corrompeu com os anos...
Os braços de ferro tornaram-se frouxos, as pernas de vento pararam de correr os montes, o tronco de pedra tornou-se mole e o coração... esse foi banhado de ferro, encheu-se de vento e o seu bater, já não passava de um crepitar de areias agitadas no seu interior…

Envelhecemos, sonhamos, ficamos velhos, paramos de sonhar… o final… não tem de ser o fim… e os sonhos….
Esses, não têm qualquer idade….

Dá-me este prazer…

Diz-me… diz-me tudo o que em mim vês…
Tudo o que por teus olhos passa…
Eu e só eu quero saber!

Satisfaz a minha mais feroz curiosidade,
Aquela que apenas na água do rio bate,
Nas pedras do chão se lava
E no vento norte encontra saciedade…

Dá-me… dá-me apenas a mim
Todo o prazer do teu dialogo monótono…
Vende-me todas as tuas banalidades,
Todas as tuas futilidades a troco de um segredo meu…
Guarda então tudo que não me podes dizer
Para o brilho dos teus olhos…

Ou não me dês nada… se assim te apraz…
Mas não me deixes sem um qualquer conforto…

Aproxima-te e descreve-me em detalhe
Este rosto que tu e só tu podes ver
E eu, apenas eu, não posso reconhecer…

Retrata a tintas de óleo perfumado
Todo o esplendor bárbaro do rochedo
E não lhe passes qualquer verniz…

Por favor não me dispas da minha crueldade,
Pelo menos, não assim…

Olha-me… nem que seja pela derradeira vez,
Diz-me então se tens qualquer pena de mim…
Se tiveres… responde-me com um copo do teu melhor veneno…
Pois não te vou ouvir… mais vale então…
Morrer às tuas mãos…

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Ode das prostitutas a Jesus Cristo Salvador

Vinde nosso senhor
Mandais como vosso pai em nós sempre mandou
Caminhai sobre nossos leitos
Que neles algum filho de rei se deitou

Trazei-nos à luz oh salvador
Que trabalhar no escuro não é viver
E se assim desejares…
Seremos os teus sons abafados de prazer

Por todos os santos vinde logo!
Oh Deus teu pai, nosso senhor
Livrai-me para sempre dos pecados
Que me trazeis aquilo que não pode ser dor!

Pelos profetas acabai connosco!
Abatei sobre nós vosso favor
Que correm por nossos corpos
Suores e gritos de divino fervor!

Oh céus que não mais acaba
Que já não mais aguentamos
Não somos filhas de nenhum deus
Mas de nossos filhos todo mundo chama
E é de carne e sangue que carregamos

É então dado o momento
De morrer por vós neste sitio
Todas nós eternamente consoladas
Pois mesmo com vosso céu eterno
Bates assim nas portas do meu vicio!


Obscuramente