quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mors Principium Est

Dar um passo em frente
Direcção profunda da cova incandescente
Na escuridão soturna da luz intermitente
Ainda quente
O teu corpo…

Tuas mãos, tua pele, teu olhar
Toda a fúria contida, ondas do mar
Teus lábios, o teu cabelo e o teu falar

Entrega-te, pois hoje nasce o espírito

Caminhar face ao adverso
Saber que é impedimento viver um inverso
Neste eterno aluimento das paredes do universo
E somente, mais um verso
As tuas palavras…

Teus ditos, teus jeitos, teu porte
Todo o amor perdido, vento norte…
Teu sorriso… teus lábios… teu aroma forte…

Rende-te, pois esta noite criou-se a alma

Finalmente, largar-se rotundo
Ter todas as certezas, irás no fim, estar no fundo
Encontrar riquezas, na infinitude do fim do mundo
Girar louco, por um segundo…
Os teus sonhos…

Teus encantos, tuas fantasias…
Que no rosto, sempre me trazias
Teus amores, os teus carinhos…

E finalmente foste, alma, espírito e corpo
Unidos…
Partindo eternamente para nenhuma direcção

Carregando na tua certeza que a morte…
É apenas mais um inicio… sem má intenção…


____________________________________

Dedicado, a quem não está, não volta a estar.

sábado, 17 de abril de 2010

Distanciamento

Tenho olhos como um lobo
De luz vermelha, cor da alvorada
Vejo no breu as horas no relógio gasto
Poeira nas arestas, vidraça quebrada
De números caídos, 45 da noite
E penso em uivar…

Tenho os pés de um viajante
Calos que desceram o Norte, até Poente
Ando pelo escuro seguindo apenas o cheiro
Do orvalho que me diz tão claramente
Que no relógio são 67 da madrugada
E penso em me esconder…

Tenho numa alma passageira
Memórias que cortam qual faca amolada
Sinto-me então, calma, conscientemente
Absorver a primeira luz que raia abrasada
Em muito tempo, são 83 da manhã
E recordo-me…

O meu lugar não é aqui…
E não dormi mais esta noite…
Pois sem que desse conta, estou já
No dia de amanhã…


______________________________

Nota: "45 da noite" é uma figura de estilo criada originalmente por António Lobo Antunes, que serve o proposito de codificar as horas, no entanto basta que se leia, 4 horas e o numero 5, que corresponde a 25 minutos para obter a hora. Os restantes numeros seguem a mesma linha de pensamento.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cigarrilha em Vão de Escada

Seguro entre os dedos defuntos
O fumo da soturna planta negra

E saboreio, à velocidade do fogo
O lento e finito prazer no vício

Solto entre os lábios silenciosos
Um sopro do mal menor na morte

Para me prender um pouco mais
À vida… na paz de não cogitar…

Vejo no tempo, esvanecer o ar apagado
O único indício no aroma de cigarrilha

E em vão, fico uma vez mais
Encostado à parede da tua porta…

Como um nada, com tudo para dizer…

Mas, sem coragem… para o fazer…

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Cadeira no Tecto - Sentado no Cansaço

Sentado, neste solitário quadro
Sob as tintas, que cobrem a obra, Singela
De um sistema de organização, Único
Em constante, transição da escrita
… não lida…
Para… a palavra…

Sentado, nesta pagina branca
Coloco letras a lado das minhas dores
Sem proveniência clara, definida
Em tributo, aos Capitães do Rio
… que corre…
Para onde… não sei…

Sentado, sobre o leme desta barca
Solto, os dedos das amarras
De uma terra seca, poeira, pobre
Em derrota, do meu comando
… dissipa-se…
Para quê… não vi…

Sentado, nos tapetes de Esparta vencida
Liberta-se a fúria do grito, na guerra
Sem que se escute o som, do choro
Em que memórias…

De quem queria apenas…
… apenas…
… para nada…
… para tudo…
Ser guia do seu pequeno mundo…

Ficam perdidas, então, no silencio…
As ideias de um homem…
Sentado no escuro...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Segredos que Matam

Silêncios escuros vestidos de ar fino
O mar sopra toda a luz nos meus olhos
E ficam as gotas de sal que chegam…
aos lábios quentes

Como se morte fosse mais uma…
noite sem estrelas

A Cruz da simpatia mais nua, o hino
Que me queima as mãos impotentes
Tremem-me nos ouvidos as palavras
as mais carinhosas

Como se fossem varejeiras
sem destino, ao acaso

E eu tenho apenas por afecto, destino
Mais uma corda branca sobre o armário
Feita do linho mais áspero, estopa crua
que tu mordeste um dia

Para no final te poder cantar,
balançando da oliveira…

A ultima melodia…