quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Estou a desaparecer

Estou a afastar-se, diante do meu próprio espelho!
Num estado, de lucidez tão enevoada e pardacenta,
Que eu sei, diante de mim, desapareço no reflexo
Sem que possa acordar, no interior da nuvem cinzenta…
Definho lentamente.

Estou a ser levado, diante do céu o mar engole-me!
Num completo desgoverno sobre o que posso ser,
Sei que já pouco sou, porque este abismo é solvente
E nem que soubesse nadar no lodo, nada iria ver…
Não consigo dormir.

Estou a cair, poço a dentro sem amparo ou salvação!
Na mais insana agonia de quem conhece o seu fado,
Nada sei para lá de mim, já que sem luz não há visão
Mesmo que os olhos gritem, é choro desperdiçado…
Não posso parar.

Estou a morrer, mas peço por favor, não me salvem!
Na maior das tristezas eu suplico perdão por uma vez
Mas desta vez eu sei, sei bem, sei o que me espera alem
E mesmo partindo, pois é assim preciso, volto, talvez…
Não quero desistir.

E de todas as certezas, apenas um trago comigo…
Se quero ser alguém diferente, só morrendo…
Para voltar a nascer…
Eu voltarei.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Olho das Cascavéis

Um velho índio cuida um jovem, juntos na mesma tenda, envoltos em fumos. O velho passa panos de água na fronte do jovem febril, que sonha e delira sem encontrar sentido para os próprios sentidos. O jovem “Espinho” que tanto queria ver o mundo, jaz caído aos pés do mundo, sem poder ver o céu ou a lua, sem uma luz ou um fundamento que lhe sustente o espírito, e o velho, esse velho dentro daquela mesma tenda, prende-o à vida pela força das palavras sábias que já ninguém conhece ou sequer reconhece, a linguagem da própria alma!

VI: Consegues ouvir-me “Espinho”?
VI: Quase não conseguiste…
VI: Ele morreu… não voltará para te atormentar…
VI: Na verdade, ele estava morto desde o inicio…
VI: Tal como tu “Espinho”…
VI: Os olhos dele, encontraram os do homem que se entregou ao rio, agora, deixa o curso do rio leva-lo para longe…
JE: Obrigado pela sinceridade…
VI: Os teus olhos conseguem ver profundamente o reino dos mortos… o que viste tu?
JE: Tive um sonho, foi a primeira vez, a primeira, que tive mesmo medo, tremi com medo… se algo, se um átomo tivesse cedido, então eu teria ido…
VI: Não era um bom dia para tu morreres, então, não morreste, apenas isso…
VI: Fica com este conhecimento, espinho das silvas: este olho azul conjura tudo e todos conjuntamente, o passado, o futuro e o presente, tudo se move e tudo está interligado.
VI: Este olho não se limita a ver a realidade, ele toca… a verdade.
VI: Abre o olho da verdade, não existe nada a temer…
JE: Sim… consigo ver o que queres dizer…

Um ser que serpenteia entre as lendas e o absurdo, vivendo a própria terra em que se arrasta, nos seus frios e quentes, areia e rochedo, na busca eterna, incessante, desesperante do calor do sol.
Os filhos castigados de Nehebkau, os opostos do Deus Sol, que por fado ou por sina estão condenados a procurar a luz, saindo de seus covis em tom de sussurro matinal, tão discretamente como entraram ao cair do céu soturno.
Diz-se por terras Nipónicas, “A Serpente que percorre toda a terra, por montes e vales, atravessando rios e mares, jamais poderá sentir o reino dos céus, pois só voará nas garras do Falcão!” Triste fado o da serpente, mas perguntará a serpente ao falcão “Conheces o mundo debaixo do rochedo?” e este não terá resposta.
É consentido ao excêntrico que voe, fazendo troça de quem rasteja, mas a esse excêntrico que nasceu com asas, será que ninguém lhe disse que a realidade não está apenas debaixo do firmamento, existe vida para lá da própria terra, dentro das pedras, sob o mesmo chão dos homens! E são eles, os descendentes de Ophidio que guardam os filhos de Hermes e podem guiar qualquer um até às derradeiras portas do Hades!
A força de quem conhece a doença e a morte, só pode vir de quem delas renasceu, para as perceber e mudar a infinita pele que ainda vinha daquele ovo sufocante, para mostrar o esplendor de quem vive coberto de espelhos que mostram as cores das arvores e da terra, das verdades mais sagradas!
É destes seres de poder sobre a doença e sobre a morte que recai a responsabilidade de dar a saúde e a nova vida, partilhando o segredo mais sagrado de Platão, que viu o girar infinito e perpetuo do Ouroborus e reconheceu a presença da verdade suprema sobre a vida e sobre a morte, na serpente que morde a própria cauda. A alquimia de todos os livros é parca se não for visto de olhos serrados, o enorme poder de abraçar os medos, recolher para si o terror mais profundo, aceitar o mais extremo de si mesmo, num processo imediato em que o ser de mata, para poder renascer, dando vida a si próprio! A verdadeira imortalidade, está assim, no acto de poder ser uma serpente que se mata a si própria, para que outros possam ver, e alguns, poucos que sejam, quase nenhuns, poderem ver e ser também eles a víbora que não envenena, mas que diz a mais pura verdade sem palavras.
Mateus exortou seus ouvintes com voz de trovão de platina "fossem vocês consequentemente sábios como serpentes." (Mateus 10:16) e suas palavras cortaram mais goelas que qualquer espada na mão do homem poderia ter feito! Pois as serpentes compreendem a dualidade da vida, a eterna união de todas as coisas, mesmo dos opostos e vivem completamente o ciclo de nascer e morrer pois mesmo que a cauda fosse a boca e a boca fosse a cauda, acabariam por recomeçar de novo, como no dia do seu nascimento. Tudo acaba como começou, e tudo começará como acabou, na ordem imposta pelos Dirigentes da Ordem Sagrada, os Matemáticos Divinos.
E será mal desafiar a ordem dos homens? Será pecado tentar outros a provar do fruto proibido? Será loucura não querer voar como o falcão, saboreando os paladares da terra firme?
A verdade é um veneno que dói… não é?
A própria forma do universo trai os gaviões, que se peneiram pelos céus… enquanto olham para pontos e traços no chão, a vida floresce… e eles não se apercebem…
Pobres deles, que por voarem tão alto não conhecem a sabedoria dos animais da terra, não escutando mais que o seu próprio grito, não perceberam o tremer do brilhante capelo, com tantos anéis como anos. Não escutando tal aviso, tal pronuncio, tentam sempre prender a cobra nas suas garras afiadas, a cobra que apenas desejava poder apreciar o calor das pedras singelas, defende-se com uma dose de verdade destilada, nos gumes das suas armas escondidas, fazendo cair o falcão em miséria, sem que este saiba renascer…

VI: Jovem “Espinho”, sabes então que a tua força não está em matar o falcão, mas sim no poder que essa possibilidade te confere…
VI: Guarda para ti todos os teus sonhos a partir de hoje, a tua alma não te poderá mentir se a conheceres como conheces…








Devaneios de um tolo que gosta de vento.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

"A alma resiste muito mais facilmente às mais vivas dores do que à tristeza prolongada"


Jean Jacques Rousseau
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Eu percebi professor... eu percebi... e como percebo...