segunda-feira, 23 de junho de 2008

Volta para mim primavera

Olho para os verdes campos sem pensar, raciocinar, sem dar medidas às flores da última primavera, que pousou e voou sem se fazer ver, ou fui eu que não pude abrir os olhos para a notar...
Perdi mais uma vez a essência da vida que recomeçou, por deixar morrer tudo em mim aos poucos, como as flores que vão secando sem deixar sementes neste ano que vai longo...
O que eu quero não é regressar pois não tenho sequer para onde o fazer, nada nem ninguém volta para casa, se não tiver casa para voltar! E este ano, foi mais um, em que os frutos de outros ficam maduros diante de mim, ao sabor do sol quente deste dia, sem que eu tenha os meus para dar...
Dói, saber que era verde, agora estou a secar e nunca tive o meu vermelho, pois passei ao lado das minhas flores sem as carregar...
Sem saber, sinto o que não nasceu como se tivesse partido sem aviso e quero então gritar, mas sei, que aos poucos estou apenas a perder a força, a murchar, sem tempo para saborear mais a terra molhada pela chuva, sem vontade de voltar a ter o verão para mim...
Só o vento e as sombras me confortam agora, porque somente eles me tiram o sol dos olhos e não deixam de me embalar com doçura…
Espero que o vento nunca me deixe e a sombra nunca vire, não quero perder meu amparo, debaixo deste sol que tanto magoa e não cura, apenas queima...

O coração não sabe ler

“Primeiro deves escrever com o coração, ler e só depois escrever de novo com a cabeça”
William Forrester

Para escrever com o coração tenho de conhecer o coração, como quem conhece a mão da caneta e a caneta na mão, cometendo erros típicos da inocência, sem complexo, apenas devo escrever.
É então que sinto o que escrevi, para que o coração sofra mais uma vez, para saber se é verdadeira a dor que escrevi no papel, para recordar o momento da lágrima que se soltou e saber se foi limpo o sentido das palavras.
Com a cabeça apenas tento tornar fácil de perceber o que só eu entendo, fazer dos outros também, aquilo que era só meu e apenas meu...
Sempre que o faço, desprendo de mim mais uma gárgula, mais uma ameia que cai, fico menos castelo, torno-me mais escadaria... só assim deixo que outros vejam tão longe, tão alto, tão perto como eu e só eu vejo...

Queria ser fonte

Queria ser fonte para chorar, soltar gotas de saudade antiga, sem perguntarem porquê ou quando, simplesmente ser fonte de agua sem fim, sem época, sem tempo de menos, sem tempo de mais...
Já tenho esculpido em mim sulcos e faces de pedra dura, cobertas de anos, de invernos que me enchem a alma e me fazem querer transbordar toda a mágoa por secar...
Veria em mim todas as imagens do céu azul e cinza, de todas as estrelas no negro da noite que não dormi, no murmúrio de sapatos pretos que em compasso passam e já nem olham de tanto habito de ver sem observar, de ouvir sem escutar, de saber sem conhecer, aquela fonte que sempre jorra...
Nos passos rápidos de quem não têm pressa mas temem sempre chegar tarde mesmo ao destino que não conhecem, sei que o mundo não pode parar em meu redor, ninguém pode esperar que mais uma gota sequer das minhas lágrimas caia no chão frio, mas no centro do jardim onde eu sou fonte, as calçadas brancas de sujo, são vivas de flores que eu alimento de sonhos perdidos...
Fui e serei sustento de pobres e loucos, pombos dos telhados, demasiado citadinos para perceber, que o murmúrio da minha agua os lembra dos rios que nunca viram, que nunca lhe banharam os pés, que nunca lhe purificaram a alma pecadora...
Sou no entanto a agua que os recorda que todo o ser sente falta de beber a vida na corrente, somente para não esquecer que em todas as estações se sente sede do cantar limpo e puro da agua na pedra, que só assim as pedras cantam... e só assim se mudam...
Sou então criação de artista maçom, construção da fé imortal, o objecto da memoria, compasso de pensamento, da necessidade, da saudade, do tempo em que eram rios que levavam os pecados do mundo para lá do mar, são rios que já não correm...
Irei então dar sempre as minhas lágrimas nestas palavras a este jardim de poemas, onde todos passam e colhem as flores, flores originais das minhas ideias, frutos do meu pesar que me levam sem esperar que atinjam a beleza que lhe desejo, de mim para as gentes nada me impede, de continuar mais um dia... a chorar...

domingo, 22 de junho de 2008

A caixa para Pandora

Antes de o tempo arrastar o vento
De o mar ser cortado pelas ondas
Ou de a terra não ser o céu azul
Uma linha foi torcida em fino fio
Que meus dedos não hão-de quebrar

Fiz para ti uma urna de desejos
De sonhos cintilantes talhados a fogo
Decorada de poemas mal amados
Que são dores da minha alma perdida
São pensamentos que te deixo, para guardar

Fechei para ti essa arca de ideias
Não a abras mais, eu te peço carecido
Porque são demónios que me atormentam
E me queimam, sempre que os soltas com o olhar
Não mais os tentes ver, fica apenas com a memória

Nunca mais abras esta caixa que te fiz
Não mais tentes sonhar com sua melodia
Porque fere saber que isso te mata aos poucos
Esta maldita caixa que me guarda pedaços soltos
E está cheia de monstros que tirei de mim…

Entre aspas

Não me leves para o teu lado mau
Pois não era esse o lado que queria de ti
Se te digo entre aspas o que penso
Sabes que só te digo a ti…

Da voz, do eu, da minha razão

Da voz rouca, cansada e sem vida, não mais grita, não mais chora, apenas solta um lamento, sai lamúria de tormento, não existe salvação por sacramento pois não existe um deus, apenas múltiplos universos, compostos de infinitos… “eus”..!
Do eu que não mais sou, não fui mais, jamais serei, que não sei, como poderia algum dia compreender, ou esclarecer o que não posso sequer ver, que de querer, de tanto querer, apenas poder ver.
Já não sei, que rumo tomei, se lá chegarei, que sentido tomar e qual o sentido de tentar sem cessar, chegar… à razão..!
Da razão, não sei qual, sou folha de papel branco na agua cristalina, sou fruto perdido no vento louco, onde quer que vá cair, serei o que terei de ser, quando tiver de o ser… e por isso, já nem tento..!

O meu frio

O ar frio que me escapa a golfadas
Que de tão frigido sopro só podem nascer lágrimas geladas
Que nem lágrimas são, são restos, gotas de geada caída
Das invernadas passadas, queimadas
No ar seco que me escapa nas gargalhadas

Mas o frio que canto, pede calor
Calor que de tão quente, consiga calar este ardor que canta
Pensando que é frio de gelo, quando é rubra brasa
Do fogo apagado, mas não morto ainda
Nas pedras que choram ao vento, faça inverno, ou outono…

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Luta

Mais uma vez...

O grito agudo dentro da minha mente não morre
Levando-me a não ter mais mãos para tapar ouvidos
O tremor apodera-se doss meus braços sem aviso
Cortando-me todo o poder de manipular a vontade
É o som que penetra mais fundo adentro da alma
Partindo os espelhos em vidraça fina e cortante

Procurando as portas para a minha consciência
Buscando uma qualquer saída para o sonho acordado
Rasgando-me em pedaços para se libertar…
Bate como um martelo essa cabeça perdida no escuro
Fazendo até os meus olhos cerrar de dor e lágrimas
Quebrando-se o véu da sanidade…

Não mais ouço…
Não mais vejo…
Não mais sinto…

Será este o som da morte anunciada pelo anjo negro?
Será este o cantar das tropas do apocalipse?
Será este o bater dos tambores de guerra?
Será este o negro e eterno ébano?
Será este o arder do fogo infernal?
Será este o quebrar de todos os ossos?
Será este o momento…?

Será este o momento de soltar…?

Mais uma vez…?

A cruel besta em mim…?

Para simplesmente…

Sobreviver…

…?

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A quem partiu

Quem passou, passou, não me viu, apenas foi
Porque sou aquele que não pode ser visto
Porque sou aquele que não deve ser olhado
Porque sou aquele que não é exemplo
Que passa, passa, não me vê, apenas vai

Quem ficou, ficou, não sabe, não vê, não escuta
Porque sou o erro de quem nada tinha para dar
Porque sou a fatalidade de quem tudo me deu
Porque sou o desespero de quem tentar amar
Quem ficou, ficou, nunca soube, viu nem escutou

Quem partiu, já não voltará, não mais, nunca mais
Porque sou sonho de quem ficou sem querer
Porque sou saudade de quem não quis ficar
Porque sou desejo de partir seguindo as estrelas
Quem partiu, partiu, encontrou um novo lugar

Eu… apenas fiquei…

terça-feira, 10 de junho de 2008

Deixa-me parar

O cansaço apodera-se do corpo moribundo
Hoje o tempo esvaiu-se de mim em passos
Digo mentiras à palavra “Suicídio” sorrindo
Seduzindo a morte, em brincadeira inocente

Serenamente vejo normalidade, no acto vão
Seguindo pegadas, de outros seres cegos
Encontro por vezes a paz de não cortar laços
Caminhos caídos do meu ser, tolo e perdido

Caído na estrada negra, que tracei a carvão
Apaguei o traço dos meus pés com fogo
Para matar a dor de fome e sede mais um vez
Perdida de mim para sempre, mas só hoje

E se te digo algum dia chorando lágrimas
“Amanha será melhor que hoje estou certo”
Enterra-me porque já estou a morrer de novo
E três pancadas não magoam muito mais

Porquê, mais que sofrer em vida terrena?
Levar o suplício para lá dos sete palmos
É não poder morrer de dor num ápice
Sendo obrigado a viver assim eternamente

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Dificuldades

À eterna frustração de ver e não agarrar
Chamo eu de permanente presença
Incapacidade total de ser por incompetência
Por incerteza de qualquer outra vontade
Não agarro, não por não poder agarrar…
Mas porque mesmo querendo…
Nunca quero agarrar…

Queria tanto, mas tanto mesmo…
Poder… só queria poder…

Ao acto tolo de ainda tentar ser o quero
Deixei eu de dar nomes, para não errar
Descontrolo por inércia do planeamento
Por suspensão do sentir, por receio de sair
Não sou, não por não querer ser…
Mas como nunca consigo…
Desisto sempre de ser…

Queria tanto, mesmo tanto, tanto…
Ser mais… só um pouco mais…

À constante consumição de desejar e não amar
Queria eu chamar de algo, para ter nome
Que não passa do desencontro completo do sentir
Por medo de um qualquer passado triste
Não amo, não por não querer amar…
Mas sim porque não posso…
Pois não sei como começar…

Queria tanto, tanto, tanto, tanto…
Amar… pura e simplesmente… amar…

domingo, 8 de junho de 2008

Sede de ser

Quero, porque quero, beber palavras de lábios alheios
Sempre o fiz, porque sempre o quis fazer, por isso
continuo a fazer
A sorver com toda a força cada palavra nova, de
almas desconhecidas
Até as conhecer, até não mais me saber, não ter mais
que sorver, que beber…

Sinto e sei bem que sinto, que já não me basta
ouvir em silêncio
Sempre ouvi, porque quase sempre quis escutar, mas quase
deixo de o fazer
Ao acto de absorver os sons, dos sonhos, das ilusões de almas que
já nem conheço
Até bem demais, até ficar saturado, não poder mais guardar
em mim, segredos…

Vou, sei e só eu sei que irei, que já não tenho aqui lugar
Sempre me acomodei, porque quase sempre tive espaço, mas
sinto-me apertado
Em lugares onde já não encaixo nem pensamento nem ideais, que
guardo em mim
Até tentei, vezes a mais, partir pedaços de mim para caber, mas
eu nunca pertenci

Nem agora… nem aqui…



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PS: Existem pelo menos 3 maneiras de ler este poema,
sendo sempre o mesmo o seu sentido...
Se as encontrarem, avisem...

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Noite negra

Noite escura sem o meu olhar
Que sempre lanço sobre as paredes frias
Claustro cruel o da cegueira
Que nunca liberta quem mais precisa de ver
Sentimento sufocante do tentar
Que sorvendo forças do chão sujo sobrevivo...

Que miséria, que atroz verdade, que estúpido ser
Que o sou… porque o fui… não deixei de ser…

Deprimente raio de luz da manha
Que chega atrasado sobre o espelho na parede
Fenda no pensamento frio ao acordar
Que nasce do silencio mortal na noite negra
Se um dia encontro a chave
Que abre este quarto, não sei se chego a sair...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Dia por nascer

Desperdiçar manhãs, a cada noite, gasta em sentimentos
Batidos pesares de alma impura, que me levam, longe demais
Que me levam constante e certamente, a correr os ventos vivos
Em busca de um utópico momento de paz, que não terei mais

Em cada aurora de dor, é desprezado o valor de uma madrugada
Cego, mais uma vez, outra vez, por cortes abruptos no olhar lavado
São ondas de lágrimas que me carregam sem qualquer destino
Não mais encontrarei as palavras para dizer: amor, não, talvez…

Perder o raiar de um Sol profundo, a cada acordar em loucura
Sonhos desligados de um ser, que se elevam tão alto, demais
Que se elevam, certeira e inevitavelmente, contra nuvens negras
Procurando num instante prometido, não dizer: nunca mais…