segunda-feira, 23 de junho de 2008

Queria ser fonte

Queria ser fonte para chorar, soltar gotas de saudade antiga, sem perguntarem porquê ou quando, simplesmente ser fonte de agua sem fim, sem época, sem tempo de menos, sem tempo de mais...
Já tenho esculpido em mim sulcos e faces de pedra dura, cobertas de anos, de invernos que me enchem a alma e me fazem querer transbordar toda a mágoa por secar...
Veria em mim todas as imagens do céu azul e cinza, de todas as estrelas no negro da noite que não dormi, no murmúrio de sapatos pretos que em compasso passam e já nem olham de tanto habito de ver sem observar, de ouvir sem escutar, de saber sem conhecer, aquela fonte que sempre jorra...
Nos passos rápidos de quem não têm pressa mas temem sempre chegar tarde mesmo ao destino que não conhecem, sei que o mundo não pode parar em meu redor, ninguém pode esperar que mais uma gota sequer das minhas lágrimas caia no chão frio, mas no centro do jardim onde eu sou fonte, as calçadas brancas de sujo, são vivas de flores que eu alimento de sonhos perdidos...
Fui e serei sustento de pobres e loucos, pombos dos telhados, demasiado citadinos para perceber, que o murmúrio da minha agua os lembra dos rios que nunca viram, que nunca lhe banharam os pés, que nunca lhe purificaram a alma pecadora...
Sou no entanto a agua que os recorda que todo o ser sente falta de beber a vida na corrente, somente para não esquecer que em todas as estações se sente sede do cantar limpo e puro da agua na pedra, que só assim as pedras cantam... e só assim se mudam...
Sou então criação de artista maçom, construção da fé imortal, o objecto da memoria, compasso de pensamento, da necessidade, da saudade, do tempo em que eram rios que levavam os pecados do mundo para lá do mar, são rios que já não correm...
Irei então dar sempre as minhas lágrimas nestas palavras a este jardim de poemas, onde todos passam e colhem as flores, flores originais das minhas ideias, frutos do meu pesar que me levam sem esperar que atinjam a beleza que lhe desejo, de mim para as gentes nada me impede, de continuar mais um dia... a chorar...