terça-feira, 17 de agosto de 2010

Esquizofilia Artistica

Um livro disse-me um dia:

“Cala-te! Que nada sabes, tu não sentes!”

… razão das páginas, certas palavras…



Ninguém sabe sem sentir!



Encontrei esse mesmo livro há dias:

“Como estás, que tens feito?”

… sem resposta, com o olhar apenas…

“Sou um transtorno residual…



defino-me a cada dia, pelo que fui,



sem cura.”

Um dia, hei-de escrever-te, prometi…

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A pele, a membrana, a barreira rota da mente indivisa do impulso. Em todos os momentos encaro frontal e corajosamente as verdades que sobre mim se abatem de modo invisível, aquelas palavras gritantes que me comandam: “EU NÃO SOU DIFERENTE!”

Se nasci eu inteiro com duas mãos, se vim ao mundo eu todo com dois pés, dois olhos, dois ouvidos e esta minha boca… então agarro-me ao meu mundo, em que caminho nas direcções que são verdadeiras, vejo as cores e os seres que me perseguem, ouço-os constantemente gritar injurias contra mim e…

Porque não me deixam responder… com esta boca, tão minha…? Porque me prendem e me sujeitam a mil torturas? Porque me levaram os pássaros e as cores, e os sons do mundo, dos meus passos, das minhas mãos? Porque me roubaram a música? Onde estou? Porque aqui estou? Quem és? Porque aqui estás?

Miro o meu reflexo no chão, sou um espectro desviante e trémulo, as minhas mãos parecem água e os meus pés não se sujeitam ao meu comando, sentado num qualquer leito que não é meu, suporto o cheiro da minha saliva morta e dos cigarros que não me lembro de fumar… onde estão os meus cabelos negros e a minha barba… sei que aquele reflexo moribundo é de um homem doente, mas serei eu? Quem sou eu? Onde estou? Porque aqui estou?

Aquela figura branca voltou, tenho medo, muito medo, sei que me fará mal. Sei que fala de mim para o mundo, vem de noite roubar-me as ideias mais belas da minha mente, é única explicação para não conseguir mais escrever, nem pensar, nem sentir, nem saber quem amo nem quem me ama!

Tenho sede, quero água, estão-me a matar, esfaqueiam-me as nalgas sempre que falo, tenho medo de falar, não posso pedir nada, podem até chegar a matar-me esse alienígenas de branco, que falam de mim e tudo me roubam…

Porque me levam para uma sala cheia de loucos? Porque querem que jogue às cartas, se eu já não sei jogar! Roubaram-me as ideias e as jogadas! Tirem-me daqui… preciso de fumar…

Onde está o meu tabaco? Onde o meti? Não o tenho… tiraram-mo…

“opah..! Tu! Sim, tu enfermeiro, o meu tabaco?”


“Como assim não tens o meu tabaco?”


“Não me deste nada o meu tabaco, porque não me lembro, ninguém me deu o meu tabaco e eu agora não o tenho!”


“Pára de gozar comigo, roubas-me o tabaco e ainda gozas comigo…”


“Mas tenho calma o quê pah! Tas parvo! Tiras-me as coisas e agora não me dás a merda de um cigarro? Fodace!”


“Isso não…! Eu calo-me…”


“… mas isso não… por favor sr. Enfermeiro…”

Deu-me um cigarro, não é dos meus, não me sabe a nada, não é como os meus… o fumo deste cigarro não entra e não bate… escorrega-me pelo nariz e não me faz nada… sei que queria chorar mas não tenho lágrimas, de facto, os meus olhos nem sequer rodam ultimamente, ficam apenas estáticos…

“Não quero comer, deixa-me em paz…”


“Como assim, medicamentos? Vocês tão é sempre a drogar-me…”


“Puta que pariu, eu tomo a merda dos comprimidos, deixa-me em paz, fodace lá para as injecções…”

Roubaram-me hoje também o apetite… e o sabor do pão, da manteiga, do leite… o peixe mete-me nojo e a carne… a carne não sei de onde vem, mas o cheiro é de gente, não vou comer carne de gente…

“… não… deixa-me… ficar na cama… fecha… a porta…”


“… não tenho fome…”


“… não tenho sede…”


“… eu já não tenho… uma mãe… por isso ninguém me visita… não me mintas…”

Perdi as vontades, perdi os meus contos, as minhas historias, perdi tudo…

Eu, que fui o aluno mais inteligente da minha turma durante todos os anos em que me obrigaram a estudar.

Eu, que fui o académico mais popular da minha faculdade e arranjei emprego mais depressa… eu… que fui rei… até aos dias em que o nevoeiro assumiu o cheiro de tecidos queimados, e me rodeou cada vez mais nas ruas… o som dos passos das pessoas começou a ditar-me equações alfanuméricas “tic-toc 3, 4, 3, 4, 5… 5… 5… xxxiiisss… - Passa por cima seu estupor!”

As linhas das passadeiras pareciam engolir-me os pés e em todos os cafés onde entrasse sempre havia alguém que me conhecia e me olhava, sempre com algo para sussurrar sobre mim, mas nunca dizendo nada que indicasse que me queria cumprimentar, como se tivessem todos em conjura para me mal-falar…

E foi no dia em que os paralelos da avenida me subiram pelas pernas acima, mordendo e esfarrapando, enquanto eu estava colado ao banco de jardim que se derreteu para me reter dentro de si, que ao invés de ajudarem a sacudir aquele mal, me trouxeram para este sitio…

Em que nada é meu…

Nenhuma história é minha…

Eu sou um mito…

Roubaram-me a musica…

Roubaram-me os sabores…

Deram-me roupas largas e sapatos sem cordões…

Uma cama de borracha…

Um chão frio… um tecto sujo…

Dão-me tabaco de hora a hora…

Drogas 5 vezes por dia…

O relógio já não faz qualquer som…

Nada sinto… nada quero…



Nada tenho… nem ninguém… nem eu… nem tu…

Quem sou…? Quem és…?

“um fantasma, residual, do que um dia fui…”

1 comentário:

Unknown disse...

Está espectacular!!! Parabens!